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30.11.07

Academim

Ontem à tarde, antes do chá, o meu marido fez a sua comunicação inaugural na Academia das Ciências de Lisboa.
Sou sincera, não gosto de o ouvir. Sofro com o seu tom baixo, cuidadoso, sério. O meu marido há quase 10 anos, o pai da minha filha, o meu amor, mão-na-mão-junto-a-mim-que-não-poderá-ter-fim, enerva-me. Já o ouvi muitas vezes, foi meu professor. Eu casei com o professor. Já foi meu chefe e meu colega. Nunca nos zangámos. E agora dá-me para isto. Para temer por ele, para mordiscar os dedos enquanto a onda progride, estável, forte, segura.
Ontem, no desconforto da cadeira encaracolada, mergulhei num distúrbio tenso, como nos sonhos. Respirei por fim o silêncio, desoxigenada.

A Academia é como os botões de punho. Um anacronismo elegante, respeitável, brasonado.
No meu estilo desestruturado, espreitei as salas e as porcelanas. Propus logo uma festa nos salões, um sopro no espólio. Eu não sou nada como o meu marido e obviamente nunca hei-de ser correspondente da secção de ciências biológicas.
Eu era a mais nova da sala, ele é o mais novo dos académicos. Ontem claro que os funcionários nos interceptaram a progressão na alcatifa.
Estou tão orgulhosa dele.

28.11.07

perna de pau, (m)olho de vidro e cara de mau

Ontem à tarde, ainda não eram três, bati com a cabeça na esquina do armário. Praguejei e continuei a espremer a lata. A seguir tocou a campainha e eu gritei-lhe, esganiçada, que abrisse a porta com a chave dele.
Caramelos. Nunca mais compro promessas de chantilly sob pressão.
Ao menos o pão-de-ló era bom. Não fui capaz de não me acusar sob os cumprimentos da escola e sibilei a procedência. Eu só barriguei de doce e colei os smarties.
Bugger. Parece que havia expectativa de bolo de requeijão, mas eu não cheguei para tanto.
Claro que para a minha pisca tanto faz. Estava contente e foi uma anfitriã perfeita, a distribuir as fatias tortas (porque é que fazem os pães-de-ló tão altos?) nos pratos amarelos da escola.
Em casa prodigiei um mar de cenoura e mascarpone, um cenário de piratas e tesouros que tive que proteger até ao fogo preso final. A pirotecnia valeu-me um buraco na toalha boa e a espatulagem da fuligem no creme de lima.
Sou remissiva.
Mas empratei o meu melhor doce de sempre.
Macia por dentro, crocante por fora.

27.11.07

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Mariana, pirata de água doce

25.11.07

papel ma(r)ché


Fui à Ladra Alternativa. Gosto da onda da coisa. Do treco-lambeco, do ponta acima ponta abaixo, da surpresa ocasional, da juventude e das expectativas, do espaço descascado e das ruas tortas. Gosto que me despertem a estética, que me justifiquem os cinzentos e os roxinhos.
Não gosto da óbvia falta de sustentabilidade material dos entusiastas, dos (des)originais e dos pontos batidos, dos tricôs acrílicos de má mescla, dos despropósitos sem alcance (sim, lembraste-te disto, e então?), do excesso de feltro.

22.11.07

Um passarão

Ontem, em voo nocturno.

Coisas de que eu gostava de me ter lembrado: chamar a uma banda Os Demitidos.

18.11.07

no news, bad news


Ouvi o barulho enquanto esfregava os dentes no duche. Um reboliço maior que o normal. Gritei-a. Nada. Molhei o chão de aflição a tempo de segurar a derrocada final de gavetas por cima dela. A gravidade é uma força que não perdoa. Nem sei como fez aquilo à cómoda. Depois de estabilizar o centro de massa, gritei o silêncio do quarto, palmei-lhe o meu próprio susto.
Vou voltar a andar mal lavada.

17.11.07

No meu trabalho há um quadro preto no bar. Uma ardósia grande, frequentemente rabiscada. No meu gabinete há um quadro preto. Uso-o para recados. Tenho que pedir a alguém que vá lá rabiscar qualquer coisa charmosa. Porque um quadro preto tem um charme distinto, legítimo.
Temos cá em casa uma powerbox e ele há muitas séries. Assim como os advogados se devem rir com as barras do tribunal de cenário e os médicos com as múltiplas urgências e diagnósticos, eu sorrio-me várias vezes com batas forenses e agora também com os núm3ros.
O rapaz não está nada mal, não senhor. Poderia encontrá-lo a comer croissants ao pé do meu quadro preto. Tem aquele arzinho desvalido dos investigadores, mas não chega a ser socialmente desajustado.

A grande concessão ficcional que ali vejo é o tempo e o excesso de entusiasmo. Ninguém pensa, pipeta ou o que for no espaço de um episódio. A vida real é cheia de fracassos e repetições.

Este post estava em draft há semanas.
Reconheço-me queixosa, quezilenta e com mau feitio, como nou tras estações.
Mas isso vai acabar.
Upa.

16.11.07

nightingale

Acontece que eu até era uma pessoa simpática.
Esta semana, para além de várias vezes me questionarem a cor do cabelo (sim, é possível pintar o cabelo; aliás parece que 78% das mulheres fazem-no e o meu já não é de agora), houve quem não quisesse crer que fosse mesmo eu ao telefone. Conheciam-me da minha vida anterior, quando eu dormia e comia capazmente, quando a minha vida pessoal era mais do que fazer dois puzzles com a miúda, cozinhar uma variante de carne picada para o jantar e adormecer no sofá. Nesses tempos, eu ainda escrevia emails aos amigos, ou pelo menos respondia-lhes. Às vezes chegava mesmo a telefonar ou combinávamos uma refeição. Agora só telefono à AnaS e é com a necessidade egoísta de me queixar.
Antes da minha vida ter sido invadida havia em mim um rouxinol. Uma espontaneidade entusiasta, quiçá uma simpatia. Hoje sou uma megera institucionalizada. Tenho olheiras permanentes, uma tatuagem de cansaço acumulado. Passo os dias a resolver problemas, não há uma única boa notícia no meu despacho.
Nunca mais me esqueço como há uns anos perguntei a uma amiga, assistente social, como aguentava aquilo dos problemas diários. Ela confessou-me que havia de facto dias difíceis em que só lhe apetecia gritar com os coitadinhos todos para não se drogarem, não roubarem e não fazerem merdas que só lhes encravam a vida.
Os meus dias são todos difíceis e só não grito, ou ainda não grito, porque estou cada vez mais noise sensitive.
Agora o rouxinol, esse voou.

11.11.07


Quem passa dez horas por dia a saltitar entre pés não chega para caridades educativas. Enruguei a testa e lamentei não poder esclarecer as dúvidas adolescentes sobre células estaminais. Além de que sempre me irritou essa lança nas costas que é diga o que sabe sobre. Há seis anos que não entro num laboratório. No meu tempo, repito, no meu tempo, a bioinformática corria em Unix. Não havia genomas completos nas bases de dados. Começavam os microarrays. Fiquei ufana com a naturalidade com que ensaiei a utilidade das micropipetas, mas depois de conseguir girar eppendorfs entre os dedos, percebi que era aquele o meu momento de saída. Não há nada mais triste do que cair do salto.
Sim, as paredes não estavam mal, mas só o moto era profissional.

sorrir e acenar


Ao terceiro dia, ligou o meu chefe e perguntou-me se estava vestida de hospedeira.

Casa d' Orange


De toda a mise, o que mais gostei da scéne foi dos folhetos.
Não me cansei de olhar para os rectângulos; reciclados, oficiosos, deslogotipados.

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jornadas inovação fim ana músculos pernas doridos

1.11.07

Parece que ando cinzenta. Desci aos 52 kg, o que por acaso me agrada. Nem sei bem para onde me fogem as horas, os dias, as semanas. Levaram-me a miúda ao cabeleireiro e está maravilhosamente curta. Eu nunca teria tido coragem, que tenho uma frustração antiga com a minha infância sem gancho nem totó.
Pari 15 metros de parede e uma dúzia de folhetos. Se tiver uma aberta ainda hei-de escrever à Corel para os insultar por terem escondido a ferramenta de transparência.
A única externalidade positiva é o rato novo que quase parece um Mac. Ainda hei-de ter um Mac.

em repeat

A frase que me ensinou a amiga:

Science is what I do, it is not what I am

Mesmo quando parece mesmo que não é assim.