story:tell:her

29.3.07

Ele hoje dorme fora e eu vou tirar os pelos das pernas. Com calma, vou besuntar-me de espuma e curvar a lâmina sem piedade. Desde os tempos das Escócia que abandonei a cera. Porque eram demasiadas libras, porque me puxavam os derrames e porque não mudei de namorado. Substitui a relação com os pelos pela relação com o homem. Saímos todos a ganhar. Também uso pijamas de flanela.
No outro dia fiz uma máscara. Besuntei a cara com uma pasta esverdeada e sentei-me na beira da banheira, a sentir aquilo a arrepanhar-me a expressão. Já não fazia há tanto tempo que já me tinha esquecido daquele puxão purificador, que eu cá gosto que os tratamentos se sintam. Pensei que depois ia tirar os pontos negros do nariz com aquelas fitas mágicas que também secam na cana. Tenho um prazer mórbido quando observo os pequenos anões de gordura, geometricamente espaçados, arrancados sem piedade e exibidos de pernas para o ar. Uma vez convenci-o a fazer aquilo e o mariquinhas gritou que doía muito. Os homens são uns fracos. O que dói é depilar as virilhas e arranjar as sobrancelhas.
Nesse dia já passava das nove; a criança alimentada, lavada e supostamente dormida. Mamã, mamã. Já não sei qual era a urgência, mas recordo a expressão parada, levemente enojada e temerosa quando me debruço. Vai lavar a cara. Encolhida, afastou-me num esgar de recusa.

26.3.07

Eu até já tinha reparado, mas hoje, hoje tive a certeza: a miúda tem os meus dentes. O meu pai confirmou que também já tinha percebido. Ora bolas, isto não é nada bom.
Há coisas que até acho graça. Habituei-me a que me expliquem que "ela é igual a ti!". Mas detesto ver-lhe os meus defeitos, um legado misto de snappishness, nariz e, agora, dentes. Agora já não, mas durante muitos anos tive o phantom limb do aparelho. Ora bolas.

23.3.07

A talentosa Mrs. Ripple

Mais dia, mais dia também hei-de fazer uma manta de croché. Acho que acabo sempre por preferir os quadrados às ondas, mesmo quando são perfeitamente descombinadas.
Menos dia, menos dia, e enquanto não me liberto das teclas, sempre aproveito a luz fresca da casa nova.

Right hand

Já não coxeio, agora só retraio ocasionalmente a postura. Um amigo ontem disse-me que o arrasto dava um certo charme. Como a rouquidão. Ora isto é a miséria total, uma pessoa a cavalgar socialmente as mazelas.
Tenho uma mão cheia de urgências e mais uma dúzia de coisas importantes para fazer. Esta semana disse ao meu chefe que precisava de ajuda, o que me custou que eu não gosto de trabalhos de grupo. Ele riu-se e disse que era bom sinal. Eu afastei a franja e levantei as sobrancelhas com um ar entusiasta. Upa. Isto agora resulta muito melhor depois da Eliete me trabalhar o arco.
Entretanto torci o pé e pendurei a correria até acabar o relatório que devo às autoridades há quase cinco meses. Custa-me tanto que chego a fantasiar uma manobra menos dextra.

22.3.07

Left foot

Estou constipada, alérgica e torci um pé. Não me está a correr bem a semana. Há dois dias, chego tarde e gasto mais de meia hora no indiano que nos outros dias é sempre rápido. Esbaforo para a casa e tinham-se esquecido do nan. Não se faz, pá.
Hoje ao fim da tarde fiquei rouca e agora carrego uma fronha de ranho que amanhã de manhã será amarelo.
Como hoje de manhã, quando me começou a doer o pé. O pé que já está quase bom, mas agora dói-me a perna do esforço de coxa. Caí ontem com a miúda ao colo e fiquei de joelhos nas pedras da calçada.
Sou tão coitadinha.

18.3.07

after colin


A Britlândia tem um fotógrafo famoso, daqueles que regista postais e livros de mesa de café. O grande mérito do Colin é estar lá sempre nos dias solarengos, registando uma terra de quase-nunca, com uma luz brilhante e uma paleta forte que o enevoado de quase-sempre não deixa vislumbrar aos desprevenidos. O Colin mostrou-me o que nunca vi e o meu obrigada regista-se nestes pequenos momentos de vidinha encenada.

17.3.07

wish knits


Se, em vez da semana empilhada que me espera, eu tivesse uma poltrona e uma bay window, seria assim:
top dress undress whatever

From the top of my head


Assim de repente, acho que também vai ser uma despenteada.

16.3.07

Li no jornal que o Starbucks perdeu a alma e parece que já nem cheira a café.
Hum.
Para mim o Starbucks lembra-me Brighton e consolo. Era de um quentinho macio, com sofás de veludo castanhos e lilás, onde eu afundava os arrepios que trazia do Inverno e da quase-solidão. A mug de capuccino nunca me desiludiu e aprendi a gostar de muffins de morango e chocolate branco. Nas visitas a Londres era também a garantia de um chichi seguro.
Tão bem me sabia aquilo que nem conseguia embirrar com o look corporate. Nunca fui em combinações esquizofrénicas de chocolates, mokas e afins, mas havia sempre canela para temperar a espuma.
Claro que o melhor de todos os cafés era o Metropole, no cimo da Minto Road, nos tempos das terras altas. Era não fumador, tinha jornais, jogos, fatias de bolo e hot drinks servidas em chávenas coloridas e desirmanadas. Ficava à beira de casa e era a nossa versão do sair à noite. Era tão caro para as nossas bolsas de escudos que muitas vezes trocávamos tudo pelo nescafé e os jam donuts do supermercado.
Apercebo-me que isto já foi há dez anos e, estupefacta, abandono aqui a memória dos factos.

14.3.07

baby fly

A miúda está espigada. Assim crescida e alongada. Sinto-a a medrar, todos os dias. Como perdeu a pançota pode ser que se salvem as calças do ano passado. Tem uns pés lindos, esguios. Já não tem rechonchices de bebé. Já não é um bebé, mas às vezes finge-se de bebé, gatinha e diz que não sabe falar. Mas a minha menina diz coisas fantásticas e desafia-me todos os dias. Retém o que lhe digo, mesmo quando não parece. E muitas vezes não parece. É teimosa e forte. Quando não espero, repete-me o ralhete que lhe dei a ela. Fiscaliza-me as opções e as regras. Ando aqui direitinha e coerente. Peço desculpa.
Mas mesmo giro foi virmos hoje a descer as escadas e ela reparar: "Mamã, tens uns sapatos* novos; são tão giros; quando eu for grande também vou ter uns sapatos desses". Eu rejubilei e ele suspirou.

*mas amarelos.

10.3.07

8.3.07

Querida Internet,
Assim de novidades só que a minha filha está a perder a barriguinha de bebé. Escorregam-lhe as calças e foi assim que me apercebi.
Tambem lhe cortei o cabelo e agora tenho uma filha escadeada.
De resto, o meu homem fez 40 anos.
Afadigo-me, não tricoto e preciso de uns sapatos.
Sempre tua,
Ana

(e agora acompanhava uma fotografia enevoada, de ladecos, com a assinatura do fotógrafo em diagonal e em que, pela primeira vez na vida, eu apareceria penteada; mas não vai acontecer, como muitas outras coisas)