story:tell:her

28.11.06

And a bang on the ear

Bem a jeito para a efeméride, ontem bati com a cabeça na parede. Em frente de todos, com a cataplana ao lume, acertei com força, com muita força, numa ombreira. Ouvi o estrondo a ecoar-me por dentro, fechei os olhos e anunciei-lhes a preocupação com o lume. A seguir, encostei o frappé à pancada e continuei.
Ainda estou tonta. Três anos de rodopio e uma ombreira concorrem para me vacilar. Ela estava feliz, mimada, eufórica com a casinha e a atenção. Recusou o vestido de fada e fui eu que usei o colar. Não faz mal, o bolo da escola tinha smarties e eu em casa consegui salvar o edifício de cenoura do Jamie com o maravilhoso topping de mascarpone e lima. Eu é que sou uma fada e bem que usei o meu uniforme. Isso e os músculos da mão direita.
Não sei bem porque o faço. Porque insisto numa ementa própria, absorvente, que me serve já turva aos da casa. Ela certamente não me saboreia melhor do que a uma caixa de miniaturas e nem sempre posso vestir a Cinderela entre dois palitos no forno, mas de algum modo lhe ofereço o que tenho. Espio-me de ralhos e sobrolhos numa mamã de avental, num bolo torto, recuperado com uma espátula e a vontade de ser capaz. Enformo-me em biscoitos de chocolate, dou-me temperada de sal e mel, tostada de amor. É por isso que o faço, para me oferecer num altar com base de cortiça.

27.11.06

***

Mamã, três anos.

***

Mariana, 3 anos.

22.11.06

Arrivals

Hoje fui à minha escola velha ouvir o meu chefe novo falar coisas novas sobre assuntos velhos, podemos mesmo dizer mortos, embora não menos vivos por isso.
Percebi que eu já fui mais à frente do que sou hoje, que a memória é algo que se aprecia melhor quando já se tem alguma. Eu escolhia sempre o futuro: a ciência que o inventa, o jornalismo que o procura, a novidade, a trend. Hoje valorizo o presente, entusiasma-me a gestão (?!), a mudança contemporânea. Qualquer dia ainda gosto de antas e cromeleques.
Discordo da expressão "X não era do seu tempo". Para além da óbvia impossibilidade física, aborrece-me a injustiça. É exactamente por estas pessoas serem e viverem plenamente o seu tempo que esse tempo evoluiu para outro. Que o mundo gira e avança e isso, que eu também aprendi as frases do senhor.
Depois há a nostalgia. Aquele nevoeiro emocional que nos aporta ao saudosismo, ao "no meu tempo", em que provavelmente nada era consideravelmente melhor ou pior, mas em que o tempo era nosso, porque parece que o tempo é sempre dos jovens, que o agarram com mais força. Nestas plateias geriátricas, cheias de memórias e tempos que não são meus, percebo claramente que o meu tempo é agora. Uma coisa extraordinária no meu chefe é que dá-me sempre vontade de ir a correr trabalhar.

____
Esta URL hoje esteve por uma tecla. Mas como senti o encosto suave da memória vou dar mais uns bytes ao seu futuro. Isso, recebi uma generosa oferta de template (que ainda não é este, estou só a experimentar) e lembrei-me que posso retirar os comentários.

20.11.06

Departures

Hoje continuo um bocado arreliada de tudo e até já tomei um comprimido que me aliviou o almoço. Parece que quanto mais me doem os dentes mais a fome me aflige, deve ser psicossomático. Tenho o lábio pleno de vesículas virais numa lástima de contágio e esqueci-me da pomada. De manhã esqueço-me sempre de parte do meu dia que ninguém consegue por na rua tanta tarefa antes das oito. Ela hoje lavou as "ramélias" e os dentes, pelo que não veio o Zovirax. Continuamos a ter "mélguias" lá em casa, o que proporciona mais um unguento e uma necessidade de o aplicar topicamente. Sempre gostei da expressão aplicação tópica.
Amanhã vou fazer uma expressão tópica (assim levezinha e não sistémica) ali para o pé do aeroporto. Convidaram-me para falar sobre coisas de que já falei outras vezes e agora é que me deu para a apreensão. Temo que os sisos não me deixem acabar as frases ou esquecer-me do entusiasmo. A miúda amanhã pode ir com ramélias, agora eu não posso ir assim sisuda.

19.11.06

O doutor já me tinha avisado, vai para uns dez anos. É que eu já conheço o doutor há mais de vinte e cinco, quando me apertava parafusos no céu da boca. Acontece que tenho os sisos mal parados e agora doem-me até às orelhas. Estou tão habituada a incómodos de boca que já só ligo quando os pequenos guinchos dela me parecem intoleráveis e a comida feita de cimento.
Claro que não tenciono fazer nada por enquanto e aproveitei que a miúda e mais os seus guinchos foram caridosamente recolhidos pelos avós para pintar o cabelo. Cheguei lá a pedir uma misericórdia parda, um banho de qualquer coisa, mas não escapei dos pacotinhos de alumínio que guardam mechas molhengadas de caril como se fossem tesouros. E foi naquele preparo de descabelada biónica que foi preciso mudar de cadeira, atravessando a zona pública, onde qualquer incauto que se abastecesse de víveres no Carrefour me pôde apreciar as melenas.
Agora tenho o cabelo mais claro, assim um bocado mais canelado do que a minha estética preferia, e obviamente reencaracolado, mesmo depois dos puxões corajosos da Ana Maria. Mas se eu conseguisse exprimir-me cabalmente nos cabeleireiros tinha era pedido chocolate de leite, como o dela, se há coisa mais linda...

17.11.06

"There is no prize for the second"

Ontem tive uma boa ideia. Até que enfim. Esta semana era das ideias, das pausas. Vagares que antecipam acções, movimentos. Que justificam as horas que desfio sozinha, comigo, com o motor.
Não consigo laborar em contínuo, num gráfico de actividade constante. Se fosse uma linha era uma sinusóide. Resfolego em cima, suspiro em baixo, aceito-me. Não acredito em cristas permanentes e desprezo a rasteirice.
A ideia de ontem pareceu-me tão boa que lhe concedi um caderninho novo.
Nunca escrevo na primeira página, na primeira linha. Resguardo-me com um desfolho e um cabeço de linhas. Escrevo a preto. Há anos que escrevo a preto. Preto no papel macio, casca de ovo. Este template devia ser assim, mas eu lá sei mudar tantos cotovelinhos.
A minha ideia se calhar é uma porcaria sem ponta nem trajecto, mas ontem cumpriu-me e isso já vale alguma coisa. Isso e ter-me tropeçado no meu primeiro grande chefe, a quem devo a escola e o desassombro das escolhas.
Many, many thanks.

15.11.06

Post 910

Escrevo por títulos, por palavras-chave. Visto-me por tema, cozinho por género. Escolho os filmes pelos actores e as músicas do costume. Há anos que os amigos são quase todos os mesmos, ou novos parecidos com eles. Esquerdalha de nascença, sou afinal uma conservadora.
Ele gosta de ir aos mesmos sítios e eu gosto dele. Chegamos a repetir escolhas em momentos breves e locais desconhecidos, a forçar uma regularidade de dois dias. Gosto da minha vila porque não é uma cidade, eu que sou viciada na cidade.
Derivo. Muito facilmente derivo, já tive três profissões. Não sei o que escrever nos formulários, o que ensinar à miúda para dizer na escola.
O que faz a tua mamã?
A mamã escreve títulos.

Começo um relatório pelo índice, faço óptimos índices. Nunca decorei o título da tese porque não era um título, mas uma condescendência amanuense. Devia ter-lhe chamado "Uma aventura nas terras azuis" ou "Poison ivy". A tese mais linda que já vi era a da minha amiga.
Dá-me um trabalhão criar eventos na vidinha. Os acontecimentos orientam-me os dias, as disposições. Tenho semanas ancoradas em epifenómenos. Custa-me rolar a agenda numa velocidade constante. Trabalho muito e não trabalho nada. Tenho uma vontade fugidia, mimada. Preciso desesperadamente de marcos, compromissos com dia e hora. Se fosse um objecto era uma agenda e daria uma boa secretária. Assim sendo navego no calendário, marcando-me sem muita convicção.
15 de Novembro, 10:15, escrever post inconsequente.

13.11.06

Baby pink



Olhando-me, aqui no blog por exemplo, diria que sou uma mamã entre o fucshia e o lilás.
A coisa não é fácil e não é como mais nenhuma outra coisa difícil. Eu não sabia ao que ia, acho que ninguém sabe. É impossível imaginá-los e a nós e ao mundo connosco. Tem tanto de extraordinário como de aterrador. Lembro-me de um jantar, no Kalpna, onde a mulher do meu chefe, mãe de três, nos confessava, e a si própria, que os momentos mais maravilhosos e os mais devastadores lhe tinham chegado com os filhos, pelos filhos. Entre os vários serões que partilhámos (incluindo as narrativas das tentativas de depilação - dele) este é o momento que mais me ocorre. Talvez competindo com a vez em que agradeceu alegremente a garrafa de Porto privado de 1947, enquanto a limpava com um esfregão (sujinho, hem?) e vertia estrondosamente em copos de whisky.
Claro que a culpa não é dos putos, é nossa. A minha é mesmo muito minha. Muito mais minha do que de qualquer outra entidade singular ou colectiva. E o mais irritante de tudo é esta certeza de que contribuo para a propagação do equívoco, que o inflatuo e transporto, que quase o acarinho. Mil vezes estúpida. Hipoteco o humor com frustrações de cotão, (des)oportunidades pedagógicas e jantares insonsos. Culpo-me por todos os lados menos por um que é o istmo. Peninsulo-me, às vezes muito estreitinha, quase a derivar. Quero ser confiante, calma, segura, competente, alegre, sexy, divertida, inteligente e já agora ter o cabelo liso. Sou muitas vezes hesitante, instável, furiosa, desligada, olheirenta e, definitivamente, encaracolada. E isso é que é normal. Os superpoderes de almanaque trazem aos heróis uma profunda solidão.

[via mothern, para ler na Época]

11.11.06

Pais II


E passamos a usar o coração fora do corpo.

Pais I


Os filhos mudam-nos o centro de massa.

10.11.06

Preciso de uma mola nova para o cabelo. Não sei da minha mola castanha e agora estou inquieta. Uma boa mola é difícil de encontrar. Tem que ter um bom tom, dentes macios e um formato médio, nem grande, nem inútil.
Uma boa mola de cabelo é um objecto íntimo. Acompanha-nos nos momentos de maior trabalho, stress, calor. Perde-se na mala, mas está sempre lá (onde estás, mola?). Não pode ter ar de cabeleireiro, tem que ser elegante, embora também se use para lavar a cara. Vai às reuniões e faz o jantar. É hierarquicamente superior aos elásticos. Procuro-a.
Se há coisa que prejudica um filho único, é não aprender a dividir sobremesas. Eu nunca vivi o "um parte e o outro escolhe". O resultado é ser incapaz de discutir por comida e sequer assegurar uma quantidade decente de sobremesa quando partilho maritalmente uma fatia de açúcar. Agora chegou a ajuda.

5.11.06

Our way



Querida Mariana,
Estás quase a fazer três anos e vais ter o teu primeiro vestido de fada. Serás uma fada dos bosques, verde e lilás. Ainda não arranjei foi sapatos capazes para dares pulinhos de alegria encantados.
Estás tão pesada que já não consigo fingir que és bebé. Desequilibro-me nos colos e até já te acertei com a cabeça na porta do carro. É verdade que sabes subir sozinha para a cadeira, mas gosto de proteger-te da chuva no chão, do trânsito do lado.
Insisto no carrinho para os caminhos compridos ou populosos, mas já negoceio contigo os cintos e as descidas.
Falas tanto e dizes coisas tão engraçadas. Hesito entre corrigir-te a gramática ou deliciar-me com as irregularidades. Eu não sabo. Eu trazi. Mais grande.
Continua a apetecer-me engolir-te. Guardar-te como os tesouros. Já sabes que estavas na barriga da mãe. Que eras pequenina. Muito pequenina. Juntas as mãos num tamanho minúsculo, a explicar-me quão pequenina. Engulo-te.
De manhã vou buscar-te e aperto-te no quentinho. Nunca me apetece sair dali, mas eventualmente tu lembras-te dos livros ou eu fico responsável. Às vezes grito contigo de manhã. Que coisa horrorosa.
Gosto mais de ti do que de pão com manteiga.

Take 2

Tive o meu primeiro email em 1995. O programa era muito simples e corria em Unix. Eram os tempos do Mosaic e das primeiras conversas em tempo real por Telnet. Apaixonei-me por email, mas nunca gostei das conversas de monitor. Nesses tempos quem andava na rede era a malta das Universidades, em especial os estudantes de ciências. Um dia recebi um email dum tipo do Técnico, a meter conversa. Nessa altura eram comuns as famílias virtuais entre os miúdos que passavam (des)horas on-line. A minha resposta foi get a life (antipaticazinha, hum?). Parece que agora é mesmo possível conseguir uma.
Hoje o jornal explica-nos tudo.