story:tell:her

25.6.06

Socorro

Eu não vejo muita televisão.
Eu não gosto muito de ver televisão.
Eu não sabia o que era a 24.
Ontem vi pela primeira vez, por acaso.
Não consegui parar de ver. Durante umas quatro horas.
Deitei-me às 2h30.
Hoje continuou a dar um especial da Season 4.
Aquilo devia ser proibido.
Estamos a gravar.
Não consigo sossegar na mesma.
Quero deixar de trabalhar para ver aquilo. Provavelmente vou deixar de dormir.
Eu não via muita televisão.
Eu preciso de ajuda.

21.6.06

Grupo PAA

Ocorreu-me que devíamos marcar uma viagem. Só as três. Assim uns dias de folga, de fuga. Uns dias de miúdas, de risos parvos misturados com lágrimas parvas. Temos tantas coisas em atraso. Eu gosto tanto delas.
Ficávamos as três num quarto, a conversar até de madrugada. Desde os trabalhos de grupo que não partilhamos madrugadas. Lembro-me em particular de um, em 1993, para o "Sr. Rui", o assistente puto que agora é meu marido. Tivemos 19/20. Era tudo tão fácil.
Na viagem, podíamos tomar pequenos-almoços compridos, preguiçosos. Claro que teríamos que arrastar a A. da cama e a P. arrancaria nódoas da manteiga. O meu prato ficaria cheio de côdeas de torrada. Na Císter havia quem só viesse para o pequeno-almoço. Aprendíamos tanto como nas aulas.
Durante anos a PT ganhou fortunas com a nossa triangulação de números. Os pais nunca perceberam como é que havia sempre tanto assunto, tantas dúvidas para tirar, as matérias desfiadas em horas de queixas e comparações. A Ana ia sempre à frente nos apontamentos. A culpa era das canetas. Ela usava sempre a Parker de tinta permanente e eu tinha que ensaiar novas combinações de papéis e cores para cada etapa. Fizemos dezenas de exames lado-a-lado porque éramos seguidas na pauta e na vidinha.
Na viagem escolhíamos uma fila de três.

19.6.06

Yellow submarine

Hoje tenho um dia infinito.
Emoldurei a visão de umas calças de ganga com bordados amarelos nos bolsos para me distrair. Espreitei-as a correr, sem querer, antes de um comboio. Tinham um corte estranho e provavelmente desergonómico, mas flutuam redentoras na minha imaginação e isso é que é preciso.
A minha linda filha e as suas tiradas de pespineta não funcionam como alívio porque me ocorre logo o recado e a falta das calças de treino não sei de que cor para a festa da escola.
O meu marido hoje saiu de gravata, vai vestir beca e dizer consequências numa sala de provas que recentemente foi preciso desinfestar por causa das picadas dos bichos.
Tudo o mais são pardais.
Submerjo.

18.6.06

How the Leopard Changed Its Spots

Ontem de manhã experimentei duas vezes uma blusa com padrão de leopardo. Sob o olhar divertido da minha filha, transformei-me numa Xena de centro comercial. Só não trouxe aqueles 14,99€ de tolice por cobardia. Apeteceu-me tanto o toque vulgar. Desejei-o com a maturidade de quem há uns anos acharia uma tal camuflagem inconcebível. Há coisas que é preciso crescer para usar: leopardo, unhas vermelhas, brilhantes, pérolas, saltos, malas de mão. São coisas de mulher que as miúdas desdenham ou imitam sem convicção. São coisas que já abominei e agora visito. Com parcimónia, mas muito desejo.
Suponho que ainda pareça uma miúda. Tratam-me muitas vezes por "menina". Passeio casualidade pelos corredores onde passeei juventude e inconsequência, mas todos sabemos que já não é a mesma coisa. Os alunos de licenciatura parecem-me tão novos, tenros, desavisados. Lembro-me de sermos assim e não percebermos. Lembro-me de nos acharmos crescidos, decisores, decisivos. De achar o leopardo uma coisa hedionda. Eu ainda acho o leopardo hediondo, mas apetece-me na mesma, embora talvez preferisse a zebra. Isso e umas unhas de sangue.

P.S. Não, não foi o pai que pediu a lingerie da loura. Foi a miúda.

14.6.06

Quem disse isto?

Quero umas cuecas da Barbie.

1. Ana Maria, 33 anos.
2. Mariana, 2 anos e meio.
3. Nenhuma das anteriores.

11.6.06

Sugar white

Quando ela falou no Chefe Silva, sorri-me toda por dentro.
Quando sai da casa dos meus pais levei alguns dos volumes encadernados da teleculinária. Durante os primeiros meses/anos desfolhei gostos e aprendi a proporcionar ingredientes. Aos maravilhosos combinados do rectângulo nos anos 80, juntei umas libras de modernice. Cheguei a recortar dezenas de cantos de revista. Agora confesso que raramente receito. Concordo com o Jamie* no rigor de escala que requerem alguns bolos, mas eu também não gosto de fazer bolos. Mexo bem os doces, mas não gosto de depender de leveduras e cozo sempre demais.
Lembro-me dos assados com castanhas, dos volumes especiais da Páscoa, dos pastéis de nata e das bolas de berlim e, claro, do bolo de noiva. Cheio de desenhos de açúcar num fondant branco, muito branco. Muitos anos depois explicaram-me que havia truques nas fotografias, coisas imundas de publicitário, como o creme de barbear/chantilly. Não acredito.
O meu bolo de noiva não tinha andares. Era um círculo térreo de massapão, rodeado por uma coroa de folhas de hera, mas o meu vestido era branco como o fondant. Descontando as primas nubentes de outras décadas, ninguém mais escolheu o branco. Arrozei uma paleta impressionável de bejes, mas nenhum branco. O tule branco é tão mais bonito. Aposto que o Chefe Silva concordaria comigo.

*Há bocado embeicei-me outra vez. Até me apeteceu fazer bolo de banana, eu que não gosto de coisas de banana. Bolo de banana é tão, tão brit. Com icing, claro.

9.6.06

Mi potty es tu potty

Ontem tive um bocadinho de amiguinha, o que já não acontece muitas vezes.
Tenho amigos fantásticos, mas quase nunca estou com eles. Porque vivem noutros países, noutras cidades, noutros bairros e, essencialmente, noutras vidas. A gente cresce e deixa de ter uma vida comum com os amigos e arranja uma vidinha própria.
A minha amiga de ontem é daquelas que não vejo durante meses, cujo dia-a-dia não acompanho, mas que percebe sempre o que quero dizer. E isto, isto é uma preciosidade.
A maior parte das pessoas não percebe o que que eu quero dizer, porque:
- eu não lhes digo nada, ou
- não ouvem o que eu digo, ou
- ouvem e acham que eu sou um bocado parva, ou
- são um bocado parvas, ou
e isto é terrível, não percebem quando falo a sério ou a brincar.

A L. percebe tudo, eu só não lhe digo mais porque não dá tempo e somos as duas um bocado parvas.
Trocámos novidades e antiguidades, teorias da vida e retratos da britlândia. Descansei porque a Gap anda sem graça, mas fico para aqui a remoer a Muji. Para provar que somos mesmo todos amigos, a Mariana partilhou, uma vez mais, os seus by products numa potty session social enquanto regávamos a lasanha com sangria branca. Cheers mate.

7.6.06

Ainda da colecção "O corpo humano"

Hoje de manhã, enquanto esprávamos que descesse o xixi, disse-me que "a Miana não tem pilinha".
Quando os meninos começarem a fazer xixi de pé, cheira-me que ma vai pedir. É assim a única coisa para que me ocorre vantagem.

6.6.06

Escatologia

A minha filha cheira muito mal dos pés.
Desde bebé.
Era mínima e já transpirava as meias. O que é cómico. Aquelas meinhas muito pequeninas, muito simbólicas, muito girinhas e muito mal cheirosinhas.
Desde bebé que temos a brincadeira do Pffff. Eu tiro as meias, beijo os pés e franzo um Pffff. Ela ri-se muito.
Há dias em que a minha filha vem da escola imunda. Com as unhas sujas e a cara riscada de pó.
Às vezes também tem mau-hálito. O pai chama-lhe bafo de morcego. Eu até já me queixei ao médico se seria dos adenóides. O médico disse-me que achava que ela sobreviveria.
Os cocós no bacio então são nauseabundos. É que ainda estamos na fase de apreciar o momento e encorajar a publicitação dos despojos. Eu acho graça quando tem sementinhas de kiwi.

Mari(ana) go round

A nossa terra está em festa e ontem descemos ao recinto. Alimentei a minha filha a pão com chouriço e farturas e andou sozinha no carrossel dos pequeninos. Por um lado eu estava desejosa que aquilo parasse, como acho que vai haver alturas em que vou desejar que lhe pare o crescimento.
A dada altura, feliz, abanou as ancas desfraldadas com o ritmo da feira e eu quis parar o tempo, como na história da bela adormecida, para lhe apreciar o gingar, o (des)penteado, a farinha do sorriso.
Agora, agorinha mesmo, está a sair para o primeiro passeio da escola. Agarro-lhe a mão recortada, pintada de azul, que tenho em cima da secretária. Viro-a e leio: mil beijinhos para ti mãe .
A Mariana anda numa fase de exploração e descoberta. Ontem queixou-se que tinha uma borbulha e apontou, desgostosa, para a maminha.
Hoje anunciou que tinha piolhos* nos braços, como o pai.

*pêlos

Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro

Este estabelecimento está em declarado incumprimento porque não tem livro de reclamações.
Registaram-se oficiosamente várias queixas pela quebra de assiduidade.
Pedimos desculpa pelo incómodo.