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29.5.06

Stamina

(Post em draft há mais de uma semana)

Aquilo que eu mais gostava na televisão brit era os house-makeover e os programas de culinária. Não deixa de ser curioso que uma das nações mais pirosas e mal alimentadas do primeiro mundo devote tanta antena aos seus pontos fracos.
Ontem, antes de almoço, enquanto não chegavam os motores do Mónaco, vimos o Jamie a fazer uma paella.
Paella é uma óptima comida de festa. Eu já fiz na wok e pode-se usar o que houver à mão. O Jamie é ultradespachado e credível. Comentei o charme que tem um homem que cozinha, mas quem hoje de manhã rejubilou com o facto de já ter o jantar de logo adiantado fui eu.
O Jamie usou açafrão em rama, que é como quem diz os órgãos reprodutivos femininos da flor de Crocus sativus. Parece que é a especiaria mais cara do mundo.
O Jamie explicava isto quando perguntou a um amigo (zoólogo?!) quantos "estames" tinha cada flor, já que ele era um especialista (?!). Ou melhor, a tradução pt foi estames, mas ele falava era de estigmas. Na verdade, a flor do açafrão tem três estigmas. Tenho que comprar um livro do Jamie, trazer a wok para cima e deixar-me de trivialidades botânicas.

Esplendoroso

Eu não sou uma miúda BD, mas tenho pena.

Ordinary life is pretty complex stuff

28.5.06

Thirtysomething

Dou-me mal com o calor. Gosto do quentinho, mas não das brasas. Nunca seria uma gata borralheira.
A minha Mariana fez ontem dois anos e meio, 30 meses de menina. Fomos à praia de manhã. Gostamos todos da praia. Hoje fomos ao parque. De resto arrastamos o calor numa agenda preguiçosa de puzzles, legos e bocados de histórias de dinossauros em brasileiro. No meu tempo os filmes eram todos dobrados em brasileiro, mas agora a coisa soa tão estranha.
Lembro-me bem da Brânca di Néve e os Séti Anões. O meu primeiro cinema, a primeira história dela em modo repeat. Foi uma coincidência. Incidimos as duas numa maçã vermelha e um espelho mágico. Não há menina mais linda do que a minha.
Conseguimos finalmente apanhar o filme. Enranhosei-me das vergonhas do mundo, do meu mundo. Eu já estive em Londres, mas nunca fui a África. Acho que nunca irei a África e voltarei sempre a Londres. Culpo o calor. Culpo-me do calor.

24.5.06

Do you care?

I couldn't care more.
Parabéns amiga.

23.5.06

Ask me if I care

Ontem dormiu sem fralda pela primeira vez. Acordou de noite e chamou-me, um bocadinho aflita. Molhou os sonhos com as primeiras gotas e aguentou o resto como os crescidos. Hoje nem acordou. Seca.
Isto não interessa nada a ninguém senão a mim, but
this i my party and
I cry if i want to, cry if i want to,
You would cry too if it happened to you
.

Também já me apeteceu mais escrever do que agora.
Também já me apeteceu guardar a vidinha noutro sítio; na cabeça, por exemplo.
Porque ao fim de um tempo tudo se torna demasiado, demasiado sério, fundeado, performático.
Técnica. Há uma técnica e é isso que eu ensino. Eu antes sabia outras coisas. Mais selectas, sérias, consideradas. Coisas que agora ensino a contar com leveza, ritmo, estrutura. Agora não tenho nada para contar, vivo de contos alheios. Já não trabalho em transdução de sinal. Adoro a palavra transdução. Não é uma gralha, é uma palavra bonita. Não é nada como tradução. Cairam-me letras do trabalho...tralho.
Técnica, é tudo uma questão de técnica.

21.5.06

Os despojos do dia

Combinámos no anfiteatro de pedra.
Vimos os patinhos, procurámos as tartarugas, ensaiámos xixis na relva (um terço de nós).
Corremos à vez atrás dela.
Depois das combinações alternativas no buffet do CAM (o que eu gosto de mousse de abacate!) recuperámos o interior do sistema excretor da minha filha, perdido pelo chão da casa de banho com a aflição de quem ainda não controla os esfíncteres. Há coisas que só se partilham com os amigos.
Obrigada Pat.

Happy ever after

Era uma vez uma rainha...
E chega o pínxepe!
Um dia o espelho mágico diz-lhe...
E chega o pínxepe!
A menina trinca a maçã....
E chega o pínxepe!

Quase dois anos e meio, 12,650 kg, 89,5 cm e já está à espera do príncipe.
Maldito cromossoma.

15.5.06

Atrix/zes

A história da bruxa, quer sempre a história da bruxa. Que é a história da Branca de Neve, assim mais ou menos. A história da bruxa tem argumento variável, conforme a disponibilidade. Hoje de manhã, antes de eu me transformar mesmo numa bruxa atrasada e esganiçada, ensaiámos o riso da bruxa e o desmaio da Branca de Neve quando come a maçã. É a vantagem de contar a história em cima da cama. A Branca de Neve pode desmaiar em conforto.

No sábado vesti uma saia de ganga. Por sinal nova e por sinal demasiado parecida com outra saia de ganga. Na entrada do jardim, bate-me na perna e diz a sorrir, compincha, "Ai, saia nova, hem?" Quase que esperei ouvir a seguir, "espero que tenha bolsos, para esconder essas mãos".

Perguntei-lhe se queria ser a princesa ou a bruxa. Escolheu...

13.5.06

XL

Ontem fui ao Porto, assim de repente. Ou melhor, assim em pouco mais de três horas. Uma canseira institucional que valeu a pena, valha-me isso. Na volta (achei que não voltava, entupida que fiquei no pó do trânsito) encontrei uma antiga colega, mãe de gémeos mais um. Desentalei-me dos três francófonos que partilhavam a minha ilha e falámos dos miúdos e da redacção. Não me pude queixar muito que ela ganhava-me qualquer inconveniência. A multiplicidade esmaga-me.
Comi umas sandes emborrachadas. Dói-me o ombro do (im)portátil. Ainda bem que fui que foram outros que também importam. Só é pena o Porto ser lá tão longe e tão apertadinho e com tantas obras. Tenho saudades de ir ao Porto e passear. Eu gosto do Porto, mas há que tempos que lá não vivo nada que não canseiras. Apeteceu-me comer éclairs e andar na rua. Andar de táxi no Porto é uma chatice e não se ouve os locais a falar. Pedi um mil-folhas que lá tem outro nome. Trouxeram-me uma coisa que lá se chama mil-folhas, mas que não tem nem 250 folhas. Viam logo que vinha de Lisbôa. Estivesse lá eu uma semana e iam a ber se me apanhabam.

10.5.06

XS

A top model hoje levou um colar de cores.
Antes de sair, garantiu-se com o espelho, Espelho, espelho meu, há alguém mais bonita do que eu?
Eu saio de casa cega de mim e do estado do meu cabelo, mas a minha filha não.

As minhas amigas têm blogs mesmo giros.

Delfina

A conversa começou no banho. Muitas conversas começam no banho. Como aquela em que eu era uma bruxa feia. Tu és uma bruxa feia. Está bem. Sorri-me com o atrevimento, com o ladear do olhar, cauteloso depois do insulto. Acho muito fixe ser uma bruxa feia. As fadas lindas são umas chatas e aposto que vestem Gant ou Sacoor. Nós, as bruxas, não precisamos de ter caracóis, e se há coisa que eu gostava era de não ter caracóis.
És uma baleia, digo-lhe eu enquanto a esponjo de ternura. Não, a Miana não é baleia, é golfinho. Ah! Ela disse mesmo isto?
És golfinho? E a mamã?
A mamã é baleia!
E começámos a catalogar as pessoas da vidinha. Todos baleias menos o amigo Tiago e a educadora Lúcia, que são golfinhos. Estou a ver, o poder da escola. Hoje não como folhados.

6.5.06

butter fly


Sim, somos nós as duas.

Jacintos

Hoje cruzei-me com a tutela nos livros usados do Chiado. Reconheci foi a voz, que eu estava semicerrada de calor. Tinha umas coisas para lhe dizer, mas não me apeteceu gerir o acaso com tanto sol. Aposto que quando for velhinho vai fazer listas em folhinhas de bloco, com minúcia e fato completo, como o senhor que ocupava o canto em frente da minha tarte de chocolate. Papelinhos escritos com cuidado e analisados mil vezes com a dignidade de quem ainda usa colete. Apeteceu-me apresentá-lo (o velhinho, não a tutela) ao volume cor-de-rosa que levou as sandálias-bota de cabedal preto. Um rendilhado extraordinário que passava o joelho e a postura, já de si comprometida com o batôn rebuçado. Eu chequei uns trainers desmarcados por 24,95 e aquele poço de confiança britânica ensacou umas férias de luxúria inolvidável. Shame on me.
O que eu gosto do Chiado.
No outro dia cruzei-me com o Jacinto, um exemplar perfeito do rapaz que sempre me despertou, assim rasteiro e de camisola cinzenta, uma mistura de FCUL e FCSH de meados de 90. Tive poucos namorados, todos muito diferentes, mas nenhum seria homem para usar uma camisa cor-de-rosa, por exemplo. Há uns anos consegui convencer o meu marido que mostrar os dedos dos pés não é gay. Que as sandálias são uma necessidade de país quente. E acredito que, ainda hoje, o G. prefira arder a destapar a base.
Nunca dei a mão a umas alças, cavas ou justezas de tronco, os óculos são para proteger os olhos e não para estilizar o rosto, as malas seguram-se com a mão ou mochilam-se. Ainda bem que eu tenho uma filha.
Aposto que o Jacinto fala baixo. O meu marido fala tão baixo que já sujei a roupa a debruçar-me sobre a mesa. Estou treinadíssima no tirar umas por outras. Sabe Deus os equívocos que coleccionei estes anos todos.
Pat, quase que me esquecia de te contar que ontem esbarrei naquele lá da FCUL, acho que lhe chamava Francisco, como sempre. Lembras-te? Aquele da Física, do C1, com quem nunca falei. Está um bocado gordo e um bocado careca. De resto igual. Apeteceu-me pará-lo e dizer-lhe olá, com 15 anos de atraso. Que disparate.

Quitação

Ontem apercebi-me que perdi de vez o ar desvalido.
Durante anos reuni comentários, mais ou menos repetitivos, e olhares enrugados de ternura e desaprovação da ascendência. Lá me safava nas efemérides, mas o quotidiano desvalia-se numa patine descolorada da maioridade que atestavam os certificados. Como tão bem disse um dia o meu pai, só tenho jeito para profissões de mal vestidos. Confirmo-o com o orgulho que ontem perdi na estação de comboios de Aveiro. Já não sou uma desvalida, uma descamisada. E quem não o percebe, não percebe nada.
A aula correu bem, bem demais. Assustou-me a fluência quase política, as graças reditas como se fossem inéditas, o controlo quase aéreo do tempo, dos tempos. Só não fico mesmo preocupada porque transpirei. Quando um dia fizer isto sem destilar um picolitro de ansiedade é porque a aula morreu.
Trataram-me por professora muitas vezes e voltei a achar que no norte há demasiados professores. A malta cá mais para baixo caga nisso. O campus é fantástico e estava sol. Volto em Junho e espero que nessa altura alguém já tenha explicado à CP que não há paciência para ver a Marisa Cruz a fazer massagens durante a viagem.
A preocupaçao com os documentos de quitação fez com que fosse em primeira. Não comprei no MB e o comboio esgotou. Ontem houve uma multidão de tugas que viram a Marisa Cruz a ser massajada para cima e para baixo, enquanto eu percebia que estava definitivamente uma senhora.

3.5.06

Malaise de vivre

Ironicamente, redescobri a expressão este fim-de-semana, por causa do Freud e tal. Que estava em todos os jornais e afins. Este fim-de-semana li mais jornais do que no resto do ano e tive-a a martelar na cabeça, à malaise. Assim do lado de fora da cabeça, que eu não sou ingrata e este fim-de-semana foi óptimo.
Malaise é uma palavra linda. Só é pena ser uma coisa má, mas isto acontece-me frequentemente com o francês. As palavras são lindas, mas têm mau fundo, como malheureusement, a mais falsa de todas.
Se calhar aquilo que eu, e a esmagadora maioria das minhas amigas, temos é uma forma de malaise de vivre, uma nostalgia trintona de nós próprias e das nossas expectativas.
Contaram-me duma mãe que teve que fazer uma cura de sono, porque o filho não dormiu até aos 3 anos. Todos me prometem agruras incomparáveis a ranhos, tosses, galos ou varicelas. Ainda ontem a Juíza Amy se estrapalhantou com a filha adolescente na Sic Mulher. Parece que com os adolescentes é que é a doer. Eu, que já me zango porque ela não me deixa vesti-la sem pinotes, tenho que repensar a minha escala de gravidade e gritaria. Ela foge-me, encaracola-se, mede-me, repete uns nãos trocistas, amolece os membros e ensaia um choramingo. Eu enfio, puxo, afino manobras de placagem e, invariavelmente, grito. Uma doida, uma mamã muito doida, se isto lá tem alguma importância.
Mas oiço as miúdas todas atrapalhadas e a culpa é da malaise.

Bonheur de vivre